O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sete votos para ampliar a responsabilidade das plataformas de redes sociais e provedores por conteúdos ofensivos postados pelos seus usuários, impondo maior rigor na moderação por parte das empresas.
A questão discutida teve início no julgamento dos Recursos Extraordinários 1.037.396 e 1.057.258 e gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que estabelece que as plataformas digitais apenas devem ser responsabilizadas quando houver ordem judicial para a remoção de conteúdo considerado ofensivo.
Em outras palavras, o artigo 19 proíbe a responsabilização das empresas, salvo se houver descumprimento da decisão judicial impondo a exclusão do conteúdo.
Até o momento, 7 ministros votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo.
Para os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, o artigo 19 é totalmente inconstitucional. Ou seja, a exigência de decisão judicial para a remoção do conteúdo é inválida.
Para Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, há uma parcial inconstitucionalidade do dispositivo, de modo que a exigência de ordem judicial para a remoção deve ser mantida, mas apenas em casos específicos, como no caso de crimes contra a honra. De acordo com entendimento destes ministros, retirar a imposição de decisão judicial para a remoção, nesses casos, pode comprometer à proteção à liberdade de expressão.
André Mendonça, de outro modo, entendeu pela validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, isto é, pela manutenção do sistema atual de responsabilidade das plataformas por publicações dos usuários.
O que foi decidido até agora:
Confira, a seguir, uma síntese dos votos de cada ministro:
- Dias Toffoli: para o relator do RE 1.037.396, a regra contida no artigo 19 do Marco Civil é inconstitucional, pois a norma cria uma espécie de imunidade indevida para as big techs e é insuficiente para proteger o usuário. Toffoli propôs, ainda, um rol taxativo de matérias que conduzirão à responsabilidade objetiva das empresas, caso as publicações envolvendo tais assuntos não sejam removidos, independentemente de ordem judicial para fazê-lo.
- Luiz Fux: para o relator do RE 1.057.258, assim como para o ministro Dias Toffoli, as plataformas tem a obrigação de monitorar o conteúdo publicado e, espontaneamente, remover aqueles que tratarem de conteúdo criminoso, como racismo e pedofilia. Assim, de acordo com Fux, as plataformas estão obrigadas a remover imediatamente publicações ilícitas, assim que notificadas pelos usuários. A ordem judicial só é necessária para a remoção de publicações envolvendo crimes contra a honra.
- Luís Roberto Barroso: entendeu que não se pode admitir a responsabilidade objetiva das plataformas, mas as empresas devem assumir uma postura ativa no monitoramento dos conteúdos postados, de modo a prevenir ou reduzir eventuais danos causados por publicações feitas nas redes sociais. Nesse sentido, Barroso sugeriu que as empresas assumam o dever de cuidado e vigilância sobre as postagens feitas em suas plataformas e que criem mecanismos para melhorar a qualidade das informações publicadas.
- Flávio Dino: sugeriu um modelo de responsabilização consubstanciado no dever de remoção de conteúdos evidentemente ilegais pelas plataformas, mediante notificação extrajudicial. Para Dino, em se tratando de crimes contra a honra, a remoção pelas empresas estaria condicionada à determinação por decisão judicial.
- Cristiano Zanin: entendeu pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19, com base na proteção insuficiente conferida pelo dispositivo. Para Zanin, a responsabilização sem ordem judicial é possível em casos de evidente ilícito e após notificação extrajudicial.
- Gilmar Mendes: as plataformas devem criar ferramentas para estender as decisões de exclusão de conteúdo a casos ilícitos que se repitam. O decano do STF propôs, ainda, a responsabilidade das plataformas sem necessidade de ordem judicial por publicações patrocinadas (impulsionamento pago) e a sua responsabilidade direta em postagens com conteúdo de ofensividade mais grave.
- Alexandre de Moraes: plataformas, redes sociais e serviços de mensagens privadas devem ser equiparadas aos demais meios de comunicação até que o Congresso Nacional regulamente o assunto. Moraes defendeu, ainda, que as redes e serviços de mensagem com atuação no Brasil tenha sede ou um representante legal no país e que os provedores de redes sociais e serviços de mensagens sejam responsabilizados solidariamente e sem necessidade de ordem judicial pelos conteúdos antidemocráticos, contas falsas ou nos casos de publicidade veiculada de forma patrocinada.
- André Mendonça: único voto divergente, André Mendonça entendeu pela constitucionalidade do dispositivo questionado. Ou seja, as plataformas só podem ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros se houver ordem judicial determinando a exclusão. Para o ministro, a remoção de conteúdo só pode ser exigida diante de critérios rigorosos e bem fundamentados e considerou arriscado repassar às big techs a responsabilidade pela moderação dos conteúdos.
Próximos passos:
Após ser proferido o voto do ministro Alexandre de Moraes, o processo foi suspenso e será retomado no dia 25 deste mês. Ainda faltam votar os ministros Nunes Marques, Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia.
Os ministros precisarão definir quais serão os critérios para responsabilizar as empresas, isto é, em quais casos especificamente as plataformas digitais podem ser punidas por publicações, mesmo sem que haja ordem judicial.
Como os recursos extraordinários que deram origem à discussão tiveram repercussão geral reconhecida por sua relevância, os ministros irão fixar uma tese sobre o tema, isto é, estabelecerão um enunciado com o posicionamento do Supremo sobre o assunto e que será aplicado nacionalmente.
Assim, a maioria formada no Supremo Tribunal Federal sinaliza uma guinada no regime de responsabilidade das plataformas digitais no Brasil.
Caso prevaleça esse entendimento, as big techs terão de adotar mecanismos mais eficazes de moderação, com monitoramento preventivo de conteúdos potencialmente ilícitos, marcando um novo capítulo na regulação das redes no país e impondo ao setor uma atenção redobrada às obrigações legais e aos limites da liberdade de expressão no ambiente digital.
O escritório Alves Benedito Advogados está acompanhando o julgamento envolvendo o Marco Civil da Internet.