A correta definição da responsabilidade tributária é essencial para garantir a segurança jurídica das empresas, especialmente diante da complexidade da legislação municipal do Imposto Sobre Serviço (ISS).
Nesse contexto, ganha importância a discussão sobre a validade de lançamentos feitos por algumas Prefeituras do Estado de São Paulo, que, por maior perplexidade que essa constatação possa causar, não raras vezes contrariam a legislação.
É o que se viu, por exemplo, no caso recentemente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em que a 18ª Câmara de Direito Público concluiu pela invalidade de autos de infração lavrados pela Prefeitura de Mauá contra uma grande indústria petroquímica brasileira, imputando-lhe, equivocadamente, a responsabilidade pelo recolhimento de ISS (Apelação Cível nº 1016219-31.2022.8.26.0348).
No caso, a controvérsia girou em torno, entre outros motivos, do inadequado enquadramento aplicado pela Prefeitura aos serviços tomados pela empresa, fator determinante para a nulidade da cobrança.
O presente artigo explora os fundamentos jurídicos que sustentaram essa nulidade, destacando as falhas no arbitramento de ISS e os precedentes favoráveis ao contribuinte.
O caso concreto envolvendo a indústria petroquímica:
No caso julgado no começo do ano pelo tribunal paulista, a indústria petroquímica ajuizou ação anulatória de lançamento fiscal para impugnar autos de infração lavrados pelo Fisco Municipal, por arbitramento, visando à cobrança de ISS.
Além da ausência de preenchimento dos requisitos legais para o lançamento por arbitramento, a empresa demonstrou, na inicial, que a nulidade dos referidos autos de infração tinha como fundamento os limites da fiscalização dos serviços prestados; a inobservância da legislação no cálculo do arbitramento e, ainda, o enquadramento genérico, feito pela Prefeitura, de todos os serviços prestados no item 7.02 da lista anexa à Lei Complementar (LC) nº 116/2003.
A despeito dessas considerações, na primeira instância, o juiz julgou improcedente a ação, mantendo os autos de infração lavrados com base na falta de retenção e recolhimento do imposto pela empresa e considerando válido o arbitramento realizado pela suposta ausência de apresentação dos documentos solicitados pela Prefeitura.
O TJSP, contudo, reformou a sentença para declarar a nulidade dos autos de infração e afastar os lançamentos fiscais pelas razões que veremos a seguir.
Invalidade dos autos de infração e fundamentos da decisão:
Primeiramente, é importante ressaltar que o lançamento por arbitramento é modalidade que tem cabimento quando o cálculo do tributo tem por base o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos e sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo contribuinte (art. 148, do Código Tributário Nacional – CTN).
No caso julgado recentemente, contudo, a documentação foi apresentada pela indústria petroquímica na fase administrativa do processo, porém injustificadamente ignorada, resultando na ilegalidade do arbitramento realizado.
A esse respeito, de acordo com a Relatora do processo, Desembargadora Beatriz Braga, ausente comprovação de dolo, fraude ou omissão grave que justificasse a medida, o arbitramento infirmado revela-se manifestamente ilegal e compromete a validade dos correlatos lançamentos fiscais. (Grifamos)
Ainda sobre a documentação, o tribunal paulista acatou as alegações feitas pela empresa no tocante à solicitação para apresentação indiscriminada de contratos de prestação de serviços e notas fiscais feitas pelo Fisco municipal à apelante.
Isso porque, com essa exigência, o fisco de Mauá extrapolou sua competência fiscalizatória ao exigir da empresa a apresentação de documentos relativos a serviços prestados fora do limite territorial do município.
A esse respeito, conforme assentou o acórdão, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que a atuação fiscalizatória dos municípios está restrita ao seu âmbito municipal (confira-se, a esse respeito, o REsp n. 73.086/SP, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha).
Outro ponto importante destacado pela Relatora no acórdão foi a inadequação do enquadramento, feito pela Prefeitura de Mauá, na lista de serviços que dão ensejo à retenção de ISS na fonte pelo tomador.
A indústria demonstrou que a sua atividade consiste na manutenção industrial (item 14.01 da LC 116/2003) e não na tomada de serviços constante no item 7.02 do diploma, conforme genericamente atribuído pelo fisco municipal à empresa.
Com efeito, a prestação de serviços tomada pela empresa não dá ensejo à responsabilidade pelo recolhimento do tributo.
Por fim, é importante ressaltar que a 18ª Câmara de Direito Público do TJSP, em outras oportunidades, já havia decidido nesse mesmo sentido (confira-se, a propósito, o processo nº 1027205-61.2019.8.26.0053, de relatoria do Desembargador Wanderley José Federighi).
Conclusão:
A decisão do TJSP reforça a necessidade de um rigor técnico na definição da responsabilidade tributária das empresas, especialmente diante da complexidade do ISS e das práticas fiscais adotadas por alguns municípios.
Nesse contexto, o julgamento evidencia a importância de um correto enquadramento dos serviços prestados e do respeito aos limites da fiscalização municipal, garantindo a segurança jurídica dos contribuintes, que, de outro modo, podem estar recolhendo tributos que, por direito, não deveriam recolher.
Para assegurar que essas tão importantes premissas sejam observadas, é essencial que empresas estejam atentas à legalidade das cobranças tributárias, buscando orientação especializada sempre que necessário para evitar exigências indevidas e assegurar a conformidade de suas obrigações fiscais.
Os advogados do escritório Alves Benedito estão à disposição para fornecer assessoria e prestar esclarecimentos sobre o assunto.