Decisão do STF sobre o artigo 19 do MCI impõe novo ônus às plataformas digitais.

No último dia 26, a maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI – Lei nº 12.965/2014), dispositivo que condiciona a responsabilização civil dos provedores de aplicações de internet, por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, ao descumprimento de ordem judicial específica.  […]

No último dia 26, a maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI – Lei nº 12.965/2014), dispositivo que condiciona a responsabilização civil dos provedores de aplicações de internet, por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, ao descumprimento de ordem judicial específica. 

A questão discutida teve início no julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 1.037.396 e 1.057.258 e girava em torno da constitucionalidade do referido dispositivo. 

Em resumo, o que os ministros discutiram foi se, para que as plataformas digitais fossem responsabilizadas, exigia-se o descumprimento de ordem judicial impondo a exclusão da publicação. 

No RE 1.037.396, o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. contestou decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que impôs a remoção de um perfil falso na plataforma, além do pagamento de indenização por danos morais.

Já no RE 1.057.258, o Google Brasil Internet S.A. questionou condenação imposta em razão da permanência, na antiga rede social Orkut, de uma comunidade criada com o objetivo de ofender uma pessoa. 

No primeiro caso, a maioria dos ministros manteve a decisão. No segundo, de outro modo, a maioria dos ministros deu provimento ao recurso, reformando a decisão e afastando a condenação por danos morais.

Síntese do que foi decidido:

Primeiramente, os ministros chegaram a um consenso de que a exigência de decisão judicial já não é mais suficiente para assegurar a proteção dos direitos fundamentais e da própria democracia.

Por essa razão, enquanto não houver a regulamentação do assunto por parte do Poder Legislativo, a regra estabelecida pelo Supremo é que o referido dispositivo deverá ser interpretado de forma a responsabilizar as big techs pelas publicações ilícitas de seus usuários se, após um pedido de exclusão do conteúdo, deixarem de fazê-lo.

Para essa responsabilização, a Corte fixou alguns parâmetros:

  • Alegação de crimes contra a honra: os provedores serão responsabilizados por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, se descumprirem a ordem judicial que impõe a remoção do conteúdo (aplicação do artigo 19 do MCI). Essa determinação não prejudica a possibilidade de remoção de conteúdo por notificação extrajudicial. 
  • Fatos ofensivos replicados: quando uma determinada publicação reconhecidamente ofensiva por decisão judicial for repetidamente replicada, todos os provedores estarão obrigados a remover os conteúdos idênticos a partir da notificação judicial ou extrajudicial. 
  • Presunção de responsabilidade dos provedores: quando o conteúdo ilícito for veiculado por meio de anúncios (conteúdo impulsionado) e no caso dos chamados chatbots (robôs). A responsabilidade das plataformas digitais, nesses casos, pode se dar independentemente de notificação. 

A esse respeito, é importante ressaltar que, de acordo com os ministros, os provedores podem se eximir da referida responsabilidade, se comprovarem que agiram de forma diligente e em tempo razoável para tornar o conteúdo indisponível.

  • Conteúdos que configuram práticas de crimes graves: a Corte estabeleceu um rol taxativo dos casos em que o provedor de aplicações de internet deve remover imediatamente o conteúdo. São eles: atos antidemocráticos; crimes de terrorismo; crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero; crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino; crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes e tráfico de pessoas. 

A responsabilidade dos provedores, nesses casos, se dá por falha sistêmica, isto é, quando a empresa deixa de adotar as devidas precauções para a prevenção e remoção dos conteúdos ilícitos.

  • Marketplaces: para os marketplaces, isto é, plataformas online em que múltiplos vendedores oferecem seus produtos para a venda, o STJ reafirmou a sua responsabilidade de acordo com a regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90). 
  • Autorregulação: as empresas devem editar autorregulação que abranja sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência sobre notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos. 

Nossa opinião sobre a decisão do STF:

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal, embora voltada à proteção de direitos fundamentais, representa um risco em termos de segurança jurídica e funcionalidade das plataformas digitais.

O artigo 19 da MCI foi concebido pelo legislador como uma garantia à internet livre no Brasil.

Com a nova interpretação do dispositivo feita pela Corte, transfere-se para as empresas o dever de realizar uma curadoria acerca de tudo o que é postado para eventual exclusão, aproximando o sistema de um modelo que promove a censura prévia de conteúdo, em verdadeiro cerceamento à liberdade de expressão no ambiente digital. 

De acordo com a redação original do artigo 19, a remoção de conteúdo não dependia de uma análise apressada da empresa, mas de uma decisão fundamentada do Poder Judiciário, garantindo a ampla defesa e maior segurança acerca do que, de fato, merecia ser retirado da internet.

Agora, as plataformas que até então cumpriam diligentemente ordens judiciais passam a ter de interpretar, por conta própria, se um conteúdo é ou não ilícito, sob pena de responsabilização. 

No nosso sentir, ao exigir que as empresas exerçam uma função de vigilância e regulação prévia das publicações, a nova interpretação lhes impõe ônus desproporcional e que pode resultar na retirada indevida de conteúdos lícitos, na limitação do uso de ferramentas automatizadas e, a longo prazo, no desestímulo à inovação e ao crescimento do ambiente digital brasileiro.

Assim, a decisão do STF, embora centrada na proteção de valores legítimos, acaba por comprometer a previsibilidade normativa e o equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade civil. 

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